domingo, 11 de maio de 2008

Um país que não lê

Contarei aqui alguns casos da minha experiência e da de outros com livros:
1 - A primeira impressão que me deu ao entrar na biblioteca da puc e depois nas da San Marcos foi: "que porcaria!" Não pelo quanto ou quais livros tinha, mas pelo fato de serem fechadas. Isto é você não pode simplesmente dar uma passeada pelas estantes e se deparar com um livro que te pareça interessante. Além do mais necessita que alguém esteja lá e pegue o livro para você, o que deixa o processo de emprestar livro bastante mais lento. Na biblioteca central, mesmo tendo o código, você necessita entrar em um dos computadores do primeiro piso (nem sempre tem disponível para todos), procurar o livro de novo num sistema de procura um pouco burro, inserir seus dados e fazer o pedido. Feito isso você vai até o lugar onde está (primeiro ou segundo piso) e torça que não tenha muita gente na fila e que os atendentes estejam com boa vontade.
Após a primeira vez que fiz isso eu vi que o buraco é bem pior: na biblioteca central daqui não se emprestam livros para levar para casa, apenas para consulta na biblioteca! Tem uma máquina de xerox do lado de onde se recebem os livros e se você precise de uma parte ou de todo o livro pede para copiar. Isso para mim é um grande desestímulo à leitura causada pela falta de livro, fruto do sucateamento explícito e visível na San Marcos.
2 - Fui na biblioteca da Faculdade de Eletrônica emprestar um livro (lá se leva para casa, mas só por três dias) e pedi para ver o catálogo e resultou no seguinte diálogo:
- Quer livro de que?
- Quero ver o catálogo
- Sim, mas quer livro de que?
- Quero ver quais livros de eletromagnetismo tem aqui
Ele virou as costas, pegou um livro de eletromag do David Cheng (utilizado por alguns professores na elétrica da unicamp) traduzido e reduzido em espanhol e me disse: "aqui usamos este livro". Enquanto eu olhava pacientemente para cima e contava até dez como minha mãe me ensinou chegou um outro cara e pediu: "livro de dispo (dispositivos eletrônicos)" e recebeu um livro específico sem nem ter mencionado o autor. Entendi a situação, me resignei e fui tirar xerox porque ainda não podia fazer "empréstimos externos" (problema já resolvido e que não vale muito a pena contar).
3 - Lembro-me do meu irmão lendo o stewart (livro de cálculo usado pelos engenheiros da unicamp) e dizendo: "que bosta de livro de engenheiro sem rigor! Tipo 'aprende aí, aprende aí'". Pois é, conversando com um cara aqui da elétrica ele me disse que esses livros são para quem quer se aprofundar. Explicando: geralmente eles usam livros de um professor de matemática da UNI (Universidade Nacional de Engenharia), um tal Espinoza que ganha uma puta grana fazendo livros de matemática superior tudo mastigadinho e claramente com o intuito operacional, sem nenhuma demonstração, pouco rigor e com muito exercício. O pior de tudo é que, como pouquíssima gente aqui sabe inglês, muitas vezes sobra para os físicos usarem esses livros também!
4 - A língua é outro grande gargalo aqui e em todo lugar, incluso no Brasil, mas aqui a coisa me parece pior. Na unicamp muitos cursos têm em seus catálogos a obrigatoriedade de cursar línguas oferecidas, bem ou mal, pela própria universidade. Aqui isso não existe. E geralmente, na San Marcos, poucos ingressantes sabem outra língua, costumam começar seus estudos de línguas na faculdade. E não são só os estudantes...um professor da já citada Ida, pediu-a para traduzir um texto em inglês porque ele não sabia ler em tal idioma, mas tinha a referência de tal texto. Bom, não necessito explicar a consequência de tal fato
5 - Numa aula de epistemologia o professor perguntou para alguns alunos quantos livros tinham lido nos últimos 4 anos e haviam respostas absurdas como 6, 4, 3. Não imagino que a média de leitura dos engenheiros no Brasil seja alta e também não estou afirmando que a população brasileira seja uma assídua leitora, só quero afirmar que aqui é um país em que se lê menos que no Brasil.
6 - Por mais nojentas que sejam essas grandes livrarias (e os livros que aí se vendem) que se encontra em todo shopping no Brasil, elas existem e no pior dos casos você pode encomendar livros, incluso por internet. Aqui não existe isso. As livrarias (que na verdade são tendinhas de livros como uma feira) em Lima ficam concentradas em dois pontos: Quilca e Amazonas. No primeiro lugar eu fui e não tive uma boa experiência, no segundo estou por ir.
Em Quilca se encontram bastante livros de literatura peruana, clássicos da literatura mundial como Gabriel Gracía Marquez, Cervantes, Shakespeare e da filosofia como aristóteles, kant, pouco marx e muito manual de exatas e livros de auto-ajuda. Os livros são baratos, alguns usados outros novos, mas se você procura algo mais específico, como era meu caso, pode esquecer. Passei mais de três horas lá e não achei nenhum dos dois livros que procurava, um do Thomas Kuhn e outro do Jorge Lora Cam.
O pior é que não tem onde pedir, não encontro sebos, pois estes também são sebos. Um destes livros tinha na biblioteca da San Marcos, tirei xerox, o outro estou por encontrar.
7 - Diferente do que costuma acontecer de vez em quando no Brasil, aqui nunca vi ninguém ler livros enquanto espera numa fila, enquanto está num busão ou coisa do gênero. O máximo que vi foi o pessoal lendo jornalzinhos do estilo "Já" (para quem não conhece este é um jornal de preço e linguagem altamente acessível para trabalhadores de baixa renda e que tem o papel fundamental de propagar as idéias mais reaças nesta mesma gente, superando até a veja). Aliás aqui é só o que tem são esses jornais.

Como 7 é o número da completude vou ficando por aqui.

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